"Do anúncio da primeira gravidez da Camila até que eu me visse em uma sala de parto branca e impessoal, contando repetidamente os dedos das mãos e dos pés da minha primeira filha recém-nascida, foi apenas um segundo. Ou é assim que eu me lembro e, portanto, deve mesmo ser verdade. Não existe nada como ter filhos para nos dar a noção da passagem do tempo. Mas é um tempo que corre diferente, meio esquisito, cheio de espelhos, déjà-vus, e janelas abertas ao infinito das possibilidades.
E entre memórias que vão se construindo a duzentos por hora e futuros milimetricamente planejados – quanta pretensão! -, me sobram mesmo aqueles momentos tão intensos quanto o protesto dos reis e o consenso dos mártires – copyright Bruno Tolentino: a primeira vez que os ouvi dizer “papai”; um passeio de mãos dadas na fazenda; o rostinho deslumbrado de três crianças na roda gigante de um parque de diversões; um sorvete de morango escorrendo por três cotovelozinhos lindos; a impressão sublime do mar naquelas alminhas reluzentes; paisagens à janela; histórias de aventura antes de dormir; céus recheados de estrelas sob um cobertor estendido na grama; a pipa de macaco empinada ao vento morno de uma tarde de verão; perceber que as brincadeiras deles, sozinhos, refletem exatamente aquilo que quisemos ensinar (bonecas que rezam antes de dormir, lutas de espada pela honra de uma princesa presa).
Mas também o dia em que os ensinarei a surfar, a reconhecer cada pedaço de grama do Estádio do Morumbi, a ler Platão no original (será?), em que verei a formatura e o casamento deles. Mas, olhando esses anos que passaram - e os que se Deus quiser virão -, eu hoje sei que ter filhos é também perceber que a responsabilidade pessoal adquire uma importância exponencial a cada dia. Porque, se as crianças absorvem tudo como pequenas esponjinhas inteligentíssimas e têm mesmo nos pais esse espelho incondicional, no fim, você sabe que não é nada daquele super-herói que eles imaginam (ou têm certeza). De maneira que só resta mesmo tentar corresponder da melhor forma possível, entre defeitos, culpas, limitações, e um amor tão incondicional que até dói, de tão apertado que fica o nosso coração ao saber que jamais poderemos proteger nossos filhos de todos os perigos do mundo.
Mas a verdade mesmo é que apenas essa tentativa é a viagem mais extraordinária que poderia existir, com seus sucessos e fracassos, desvios imprevisíveis, surpresas e recompensas. Porque os filhos ampliam a nossa visão do mundo, completam-nos e nos fazem enxergar aquele amor que talvez antes imaginássemos impossível. É procurar o espelho e encontrar uma janela aberta, espraiada ao longe, muito além de onde a vista alcança." Rodrigo
São Paulo / SP
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