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terça-feira, setembro 04, 2012

"Voo cego" relato corajoso de Silvia Rogar

"Voo cego" Um relato corajoso sobre gravidez anembrionada

Depois de uma gravidez anembrionada, Silvia Rogar, redatora-chefe da Vogue Brasil, compartilhou seu relato corajoso nas páginas de nossa edição de agosto, questionando por que a maioria das mulheres ainda prefere enfrentar as dificuldades de ter filho com mais de 35 anos em completo silêncio; leia a matéria abaixo:

Aos 36 anos e casada há quatro, sei que sou encarada socialmente como um esteriótipo: a mulher que não quer abrir mão da vida boa que leva (leia-se viagens a dois, compras por impulso, farras com os amigos) em troca de noites mal dormidas e sábados assistindo a Cocoricó em looping no DVD.

Postergar a maternidade, porém, nunca foi um plano. Como tantas outras “egoístas” da minha geração, foquei primeiro no trabalho, passei uma temporada de estudos fora do País e só conheci minha cara-metade quando já havia cruzado a fronteira dos 30. Juntos, enfrentamos as inseguranças emocionais típicas de uma relação em fase inicial, fomos para um apartamento maior, iniciamos novos desafios profissionais.

Em meados do ano passado, quando finalmente acreditávamos que a hora havia chegado, entrei para as estatísticas das gestações que são interrompidas espontaneamente antes do terceiro mês. A medicina estima que 15% dos casos de gravidez não consigam ir à frente nessa fase inicial. Acima dos 35 anos, tudo é ainda mais complicado: uma em cada quatro mulheres sofre um aborto espontâneo nas primeiras semanas, algumas antes mesmo de se submeterem a um teste. Não foi esse o meu caso.

Ansiosa assumida - corri para o laboratório mais perto de casa quando alguns desconfortos me davam pistas de ter engravidado de primeira, contrariando os prognósticos sempre pessimistas dos especialistas em fertilidade. Além de sentir uma espécie de cólica constante, comecei a ficar sonolenta a ponto de fechar os olhos por alguns segundos durante uma reunião de trabalho no meio da tarde. Receber o resultado positivo foi estranho, aliás, estranhíssimo: de uma hora para outra, seu pior pesadelo de solteira vira motivo de comemorações.

Meu pai, o mais emotivo da família, caiu em prantos, enquanto minha mãe imediatamente começou a planejar uma viagem a Nova York para as compras do enxoval. Já André, o dono dos gametas masculinos, passou uns bons dias em estado de choque — apesar de sempre ter sonhado ser pai, ele não conseguiu esconder o susto e o medo que costumam dominar boa parte dos homens que recebe essa notícia.

Mas logo minhas pesquisas na internet mostraram que algo não ia bem. A concentração de beta HCG estava baixa no meu sangue. Minha nova ginecologista, que tinha me visto em uma única consulta, pediu para que eu repetisse o teste, dizendo que eu havia me precipitado e feito o exame em um estágio muito inicial. Mas o resultado seguinte não foi nada animador: a taxa continuava aquém do esperado e, pior, não tinha dobrado, como costuma acontecer a cada dois ou três dias no princípio das gestações saudáveis.

Na 8ª semana de gravidez, descobri que tinha sido sorteada com uma gestação anembrionada, popularmente conhecida como “ovo cego”: o embrião para de se desenvolver ainda muito pequeno, a ponto de não ser visível num ultrassom. O saco gestacional, porém, segue crescendo, como se o feto estivesse progredindo. Em geral, a mulher descobre que não vai ser mãe da pior maneira possível: no exame em que ouviria pela primeira vez os batimentos cardíacos do feto. No meu caso havia apenas um saco gestacional de 21 milímetros completamente vazio.

"O ovo cego costuma apresentar anomalias cromossômicas associadas, em geral, a problemas mais graves que a síndrome de Down", explica Adolfo Liao, professor de obstetrícia da USP. "Mas as chances de repetição são pequenas. Caso aconteça, o casal precisa investigar possíveis doenças genéticas". Mais do que tristeza ou frustração, minha pior sensação foi a angústia da indefinição. Até receber um diagnóstico conclusivo, passei por novas visitas a laboratórios, três ultrassonografias e noites em claro analisando todas as possibilidades em jogo nessa equação.

Quando finalmente minha médica disse que a gravidez não teria mesmo chances de deslanchar, tive 2 opções: esperar um aborto espontâneo, que ainda levaria alguns dias, talvez semanas para acontecer, ou enfrentar uma cirurgia. Não tive dúvidas: no dia seguinte me submeti ao procedimento, que me deixou com febre, cólicas, um sangramento intenso e abatida por uma forte onda de melancolia. Uma pesquisa recente, conduzida por especialistas em medicina fetal do Hospital das Clínicas da USP, constatou uma incidência de 6% de gestações anembrionadas entre mulheres grávidas. Uma parcela considerável, mas os obstetras garantem que é assim desde que o mundo é mundo.

"A diferença é que, com os equipamentos disponíveis hoje, o diagnóstico é muito mais rápido e preciso. O ultrassom, por exemplo, só virou técnica rotineira nos anos 80 e, mesmo assim, as máquinas eram muito limitadas", explica Eduardo de Souza, um dos coordenadores de ginecologia da Maternidade São Luiz, em São Paulo. Apesar de facilmente identificável hoje, a gravidez anembrionada era uma completa desconhecida para mim. Depois, descobri que existiam casos muito próximos. Uma das minhas melhores amigas, daquelas que você não consegue ficar mais de três dias sem dar um telefonema, confessou ter vivido sob esse “estado de talvez” um ano antes de mim.

"Torci para que os médicos estivessem errados até o último minuto. E quando vi que não tinha mais jeito, fiquei triste demais para querer tocar no assunto", confessou. Outra amiga muito próxima também abriu o jogo ao ouvir minha história. "Foi o que aconteceu no meu segundo aborto espontâneo. O primeiro foi muito mais dramático, já num estágio avançado da gravidez. Mas esse me deixou ansiosa, irritada por causa da indefinição", ela me contou.

Na internet, há uma penca de blogs dedicados ao assunto e um sem-fim de relatos sobre o "ovo cego". Desabafar online, no anonimato e com desconhecidas, creio eu, é mais fácil que expor a frustração ao círculo mais íntimo de amigas. Em nome do sonho de ter filhos perto dos 40, há toda uma geração enfrentando exames dolorosos, injeções de hormônios, inseminações e cirurgias complicadas — quase sempre em silêncio sepulcral. Isso sem falar em dúvidas mais complexas e contemporâneas, como decidir o que fazer com meia dúzia de embriões congelados, remanescentes de um tratamento de fertilização.

É engraçado como somos capazes de contar em detalhes os maiores absurdos (gastanças com cartão de crédito na última viagem a Paris, prescrição de remédios tarja preta, peripécias na cama, os piores defeitos de sua cara-metade). Por que, então, insistir em esconder tudo o que está relacionado à fertilidade – ou melhor, à falta dela?. Hoje, ao ouvir a inevitável pergunta de quando pretendo ser mãe, deixo muita gente desconcertada com minha sinceridade: "Tive uma gravidez anembrionada no ano passado, você sabe o que é? Tente também: no meu caso, fez bem". Por Silvia Rogar

Fonte: Vogue Brasil / Foto: Jenny Van Sommers

2 comentários:

  1. Depoimento dolorido....
    Silvia, não desista..vá a luta...vai dar certo...
    Bjs
    Odete

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  2. Silvia, parabens pelo seu relato e por sua coragem. Tambem tive um aborto espontaneo em condicoes diferentes, mas acredito que o que sentimos seja parecido, pois eh um coracao que nao bate. Um coracao materno que deseja uma coisa e um corpo que manda outra! Depois deste aborto espontaneo, tentei de novo, com muito medo eh claro, tive sangramento, mas a gestacao seguiu em frente. Este menino hj se chama Eduardo eh meu XSmallboy. Beijo fabi!

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