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quinta-feira, dezembro 20, 2012

"Manuela e Valentina" Por Mariana Dall’Acqua

(Mariana com a filha Valentina, gêmea sobrevivente / Foto: Ricardo Toscani)

"Uma história para repensar valores" 

Li e tentei resumir para reproduzir aqui, mas foi impossível. Vale a pena ler na íntegra o relato de Mariana, que teve filhas gêmeas. Infelizmente, Manuela não sobreviveu. Valentina lhe dá motivos para levantar da cama todos os dias.

A paulistana Mariana Dall’Acqua tinha certeza de que vivia um pesadelo durante os três meses em que praticamente morou numa UTI neonatal para cuidar de suas bebezinhas prematuras. "Estava enganada: lá era o paraíso, porque havia esperança, apesar da exaustão", diz.

Quatro meses depois da alta, uma Manuela adoeceu. E o que parecia uma febre inocente, revelou-se uma imunodeficiência grave. A pequena Manu se foi há pouco mais de um ano. "Acordar todos os dias dói, mas, se a vida me deu a Valentina, é porque minha missão ainda não acabou". Sabe quando você acorda, depois de ter tido um pesadelo, e pensa: "Ufa, foi só um sonho ruim?"

Queria muito que acontecesse comigo. Que eu acordasse numa manhã dessas e, aliviada, tivesse a certeza de que não vivi o que vivi. Porque todo dia em que abro os olhos e tomo consciência do que aconteceu é como se levasse um soco na cara. É um novo dia me dizendo que minha filha não está aqui, mas que eu tenho de me levantar.

Eu e Robson estavamos casados há três anos quando nossas garotinhas nasceram, em abril de 2010. Demorei um pouco para engravidar, já estava ficando meio neurótica. Mas foi só dar uma desencanada para a coisa acontecer. Eu já estava superfeliz com a gravidez em si, porém, quando fiz o ultrassom e a médica disse que eu esperava dois bebês, fiquei em êxtase. Sério: foi um dos momentos mais intensos da minha vida. Eu e meu marido choramos muito, num misto de choque, emoção, alegria extrema, tudo junto.

Bem, a gravidez correu de forma muito tranquila. Até... que no sétimo mês de gestação, passei mal como nunca tinha passado na vida. Sentia enjoos, vomitava muito, a barriga doía insanamente. É louco como nosso organismo avisa quando alguma coisa está errada. Logo que amanheceu fomos ao consultório da minha obstetra, que nos encaminhou à maternidade. Lá entendemos tudo: o cordão umbilical da Valentina estava fechando, impedindo que ela respirasse e recebesse alimentos.

O parto teria de ser feito imediatamente. Sentia tanta dor que não conseguia raciocinar direito. Só me lembro de fazer a minha médica prometer que tudo daria certo. As bebês nasceram com menos de 1 kg cada uma e tiveram de ficar três meses na UTI neonatal. Eu achava que aquilo era o inferno: ver as duas entubadas, lutando para viver. Mal sabia eu que, diante de tudo que ainda viveria, aquilo era o paraíso...

O caso delas é o que os médicos chamam de prematuro extremo. Elas corriam riscos, sim, especialmente a Valentina, que era menorzinha. Mas a cada dia, a cada semana, iam ganhando peso e melhorando. Ficar com elas no hospital foi um baita aprendizado. Aprendi até coisas técnicas, como o ponto certo para dar um leve peteleco quando elas tinham apneia (suspensão temporária da respiração) e precisavam de ajuda para voltar a respirar.

Como elas nasceram muito pequeninas, parecia que nunca ia chegar o dia de irmos para casa. Eu via todo mundo chegando e indo embora. E nós ficando. Não me esqueço do dia em que a médica responsável me disse que ia dar alta para as duas. A gente finalmente entraria em casa, todos juntos! É que é comum um bebê ter alta antes de outro e os pais voltarem para casa felizes com um nos braços, mas arrasados pelo que fica no hospital.

O fato é que sentia que algo não estava bem, apesar da aparente normalidade. Tinha uma angústia muito grande dentro de mim. Todos à minha volta tentavam me tranquilizar. "É o estresse da UTI, é a casa nova, são os hormônios, o pouco sono...", argumentavam. Quando a duplinha tinha pouco mais de 7 meses, em novembro daquele ano, voltei a trabalhar. Meu chefe até sugeriu que eu estendesse a licença, já que tinha desperdiçado três meses na UTI.
Mas decidi ir voltando aos poucos, começar com meio período.

Fazia duas semanas que eu tinha voltado ao batente quando a Manuela teve um episódio de febre alta. Mas, até aí, todo bebê tem febre, certo? Eu dava remédio, ela melhorava, depois a febre voltava... Os médicos diagnosticaram infecção urinária. Mas o tempo passava, e ela não ficava boa de vez. Os médicos decidiram interná-la para exames. A teoria da infecção continuava. Depois de cinco dias, como o quadro já tinha se estabilizado, a Manu recebeu alta.

Quando chegamos em casa, fizemos a maior festa junto com a Valentina. Tinha sido pesado voltar ao hospital com minha bebê, e a alegria de estar de volta era demais. Só que durou pouco, mais precisamente um dia. E a Manuela voltou a ter febre alta. Claro que eu estava assustada, mas nunca pensei que fosse grave. Me disseram que a Manu não produzia leucócitos, ou seja, o organismo dela não tinha imunidade. Minha filha sofria de Síndrome da Imunodeficiência Combinada Grave, e a única forma de combater essa doença era com um transplante de medula óssea. Eu e meu marido entramos em pânico.

Era uma corrida contra o tempo para encontrar um doador compatível. Enquanto buscávamos, Manu não podia pegar nem uma gripe. A família toda fez testes de compatibilidade. Enquanto aguardávamos na fila do transplante, ficamos com a Manu no hospital, num quarto todo protegido e com acesso restrito. Queria estar com a Manuela o tempo todo. Enquanto isso, a Valentina ficava com meus pais e com a babá. Todo mundo me dizia para eu ficar mais em casa, descansar, mas eu sabia que tinha de estar com a Manuela. Meu Deus, como era exaustivo! Valentina ali, tão bem, e a irmã no hospital.

Em dezembro, descobrimos um doador. Infelizmente, não tivemos muito tempo para comemorar. Duas semanas depois, Manu pegou uma gripe, que logo virou pneumonia. A data do transplante era sistematicamente adiada, porque ela não estava bem. Até que chegou o dia. Primeiro, ela passou por uma semana de quimioterapia. É como se os médicos “matassem” sua medula óssea para que a nova entrasse no lugar. Depois dessa semana, antes do transplante, haveria um dia de 'descanso' para ela.

Nesse dia, eu e Robson não pregamos o olho. A Manu também passou a noite inteirinha acordada. Cantamos para ela, conversamos bastante, trocamos muito carinho com nossa bebê. E ela lá, só olhando para a gente. Às 10h a equipe chegou com uma bolsa de sangue. Eram 200 ml da tal medula óssea, e o procedimento foi simples e rápido. Agora era só esperar que a medula 'pegasse', o que podia levar até um mês.

Onze dias após o transplante, ela passou muito mal à noite e perdeu os sentidos. Foi a 5ª vez que isso aconteceu, mas a primeira que me pediram para sair da sala para reanimá-la. Não me peçam para explicar o que sente uma mãe diante de uma situação assim. Eu, que já havia ouvido muitas vezes que o caso de minha filha era grave, dessa vez ouvi que era 'muito grave, mesmo'.

O médico dela apareceu por volta das 23h e disse que ela não resistiria. Teria sofrido menos se tivessem arrancado meu coração sem anestesia. Dois dias antes, me lembro de ter encostado meu rosto no corpinho dela e dito que logo, logo, aquilo tudo ia acabar, para o bem ou para o mal. Parece que eu já esperava. Manu não era ela, estava inchada, com os bracinhos cheios de furos. Manu se foi às 11h do dia seguinte.

A primeira coisa que fiz foi pedir aos médicos que retirassem os tubos da Manu e me deixassem pegá-la no colo. Depois que ela foi entubada, nunca mais pude carregá-la. Ficava só pertinho, fazendo carinho. Sofria pensando que minha Manu poderia achar que eu a estava abandonando. Eu não suportava mais tudo aquilo. Só queria que acabasse rápido, por isso não fizemos velório. Aquele corpinho já não se parecia mais com a minha Manuela.

No mesmo dia, à tarde, ela foi enterrada. Minha mãe só avisou os amigos e parentes mais próximos. No cemitério, as pessoas vinham falar comigo, mas eu estava esgotada, não escutava mais nada. Só queria pegar meu marido e ir embora.

Quando finalmente cheguei em casa e segurei a Valentina no colo, senti que aquilo tinha de fato acabado. A primeira noite foi a mais difícil. Eu só pensava que precisava dar um jeito de me matar porque simplesmente não iria conseguir viver com aquela dor. Mas estava tão cansada que não conseguia nem pensar em como fazer aquilo. Decidi que descansaria um pouco e aí daria um jeito de fazer sem que ninguém sofresse.

De manhã, acordei com a voz da Valentina. Foi automático: levantei e fui cuidar dela. Porque é isso que as mães fazem. Eu já não sabia como era sua rotina: a que horas mamava, a que horas tomava banho.

Fui aos pouquinhos sendo para a Valentina a mãe que eu ainda não tinha conseguido ser. Havia dedicado três meses exclusivamente para a Manu. E, se tivesse de dedicar uma vida, certamente dedicaria. Então como poderia pensar em me matar e abandonar a Valentina? Foi isso que me fez e me faz ter forças.

Virei uma mãe superprotetora, como já era de se esperar. Se a Valentina espirra, fico louca de preocupação. Ainda choro muito, todos os dias: vou chorando para o trabalho, volto chorando para casa, choro no banho. Mas sempre longe da Valentina, porque não quero que ela viva num ambiente triste. Por um momento, achei que não fosse sobreviver, mas, se a vida me deu a Valentina, é porque tenho outra missão para cumprir por aqui.

Me lembro de ver os carros pela janela do hospital, durante o tempo em que a Manu estava internada, e pensar: "Por que as pessoas continuam vivendo?". O maior amor que já senti na vida foi por minha Manuela. Agora é meu amor pela Valentina que vai salvar a minha vida. (Fonte: Revista Glamour)

2 comentários:

  1. Realmente que história emocionante, estou com lágrimas nos olhos, não consigo nem imaginar a dor sentida por essa família, mas que bom que Deus a Valentina para esta família, para que a mesma tenha força para seguir em frente.
    Que Deus abençoe profundamente essa família.

    Desirée Tapajós
    http://astrigemeasdemanaus.blogspot.com.br/

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  2. Nossa que história forte...dor, crescimento pessoal, recomeço... que mistura de sentimentos. Que a Mariana Dall’Acqua seja muito feliz, mesmo com essa dor....que imagino que nunca vai passar. Muita força para que vc siga cuidando da Valentina.

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